29.3.10

nossa língua portuguesa


 


"Era a terceira vez que aquele substantivo e aquele artigo se
encontravam no elevador. Um substantivo masculino, com um aspecto
plural, com alguns anos bem vividos pelas preposições da vida. E o
artigo era bem definido, feminino, singular: era ainda novinha, mas
com um maravilhoso predicado nominal.

    Era ingênua, silábica, um pouco átona, até ao contrário dele:
um sujeito oculto, com todos os vícios de linguagem, fanáticos por
leituras e filmes ortográficos. O substantivo gostou dessa
situação: os dois sozinhos, num lugar sem ninguém ver e ouvir. E
sem perder essa oportunidade, começou a se insinuar, a perguntar, a
conversar.

    O artigo feminino deixou as reticências de lado, e permitiu esse
pequeno índice. De repente, o elevador pára, só com os dois lá
dentro: ótimo, pensou o substantivo, mais um bom motivo para
provocar alguns sinônimos. Pouco tempo depois, já estavam bem entre
parênteses, quando o elevador recomeça a se movimentar: só que em
vez de descer, sobe e pára justamente no andar do substantivo. Ele
usou de toda a sua flexão verbal, e entrou com ela em seu aposto.

    Ligou o fonema, e ficaram alguns instantes em silêncio, ouvindo uma
fonética clássica, bem suave e gostosa. Prepararam uma sintaxe dupla
para ele e um hiato com gelo para ela. Ficaram conversando, sentados
num vocativo, quando ele começou outra vez a se insinuar.

    Ela foi deixando, ele foi usando seu forte adjunto adverbial, e
rapidamente chegaram a um imperativo, todos os vocábulos diziam que
iriam terminar num transitivo direto.

    Começaram a se aproximar, ela tremendo de vocabulário, e ele
sentindo seu ditongo crescente: se abraçaram, numa pontuação tão
minúscula, que nem um período simples passaria entre os dois.
Estavam nessa ênclise quando ela confessou que ainda era vírgula;
ele não perdeu o ritmo e sugeriu uma ou outra soletrada em seu
apóstrofo. É claro que ela se deixou levar por essas palavras,
estava totalmente oxítona às vontades dele, e foram para o comum de
dois gêneros.

    Ela totalmente voz passiva, ele voz ativa. Entre beijos, carícias,
parônimos e substantivos, ele foi avançando cada vez mais: ficaram
uns minutos nessa próclise, e ele, com todo o seu predicativo do
objeto, ia tomando conta.

    Estavam na posição de primeira e segunda pessoa do singular, ela
era um perfeito agente da passiva, ele todo paroxítono, sentindo o
pronome do seu grande travessão forçando aquele hífen ainda
singular. Nisso a porta abriu repentinamente. Era o verbo auxiliar do
edifício. Ele tinha percebido tudo, e entrou dando conjunções e
adjetivos nos dois, que se encolheram gramaticalmente, cheios de
preposições, locuções e exclamativas. Mas ao ver aquele corpo
jovem, numa acentuação tônica, ou melhor, subtônica, o verbo
auxiliar diminuiu seus advérbios e declarou o seu particípio na
história.

    Os dois se olharam, e viram que isso era melhor do que uma metáfora
por todo o edifício. O verbo auxiliar se entusiasmou e mostrou o seu
adjunto adnominal. Que loucura, minha gente. Aquilo não era nem
comparativo: era um superlativo absoluto. Foi se aproximando dos
dois, com aquela coisa maiúscula, com aquele predicativo do sujeito
apontado para seus objetos.

    Foi chegando cada vez mais perto, comparando o ditongo do
substantivo ao seu tritongo, propondo claramente uma
mesóclise-a-trois. Só que as condições eram estas: enquanto
abusava de um ditongo nasal, penetraria ao gerúndio do substantivo,
e culminaria com um complemento verbal no artigo feminino.

    O substantivo, vendo que poderia se transformar num artigo
indefinido depois dessa, pensando em seu infinitivo, resolveu colocar
um ponto final na história: agarrou o verbo auxiliar pelo seu
conectivo, jogou-o pela janela e cada vez mais fiel à língua
portuguesa, com o artigo feminino colocado em conjunção
coordenativa conclusiva."


 


Redação de uma aluna do curso de letras da UFPE, venceu um concurso interno de gramática portuguesa.


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