17.8.09

Frida Kahlo


Magdalena Carmen Frida Kahlo y Calderón nasceu a 6 de julho de 1907, filha de um fotógrafo que trabalhava para o governo, Gillermo Kahlo, e de uma mãe que considerava “fria” e “cruel”, Matilde Calderón. Seu nome, Frida, remete diretamente à herança do pai, um judeu alemão que, apesar dos pesares, contraiu matrimônio com uma católica fervorosa. A pintora, bipartida desde as origens, vivenciaria, no México, a cisão entre uma família de ambições aristocráticas (“burguesas”, segundo a terminologia da época) e um país eminentemente agrário, com um forte componente multirracial (indígena, mais do que qualquer coisa). A simbologia desse conflito interno, de personalidade, ficaria mais notoriamente representado no quadro Las dos Fridas (1939), em que a artista se retrata, ao mesmo tempo, como a colonizadora espanhola (à esquerda) e como a índia folclórica (à direita). No longa, é emblemática a cena dos preparativos de seu casamento, quando Frida, de noiva, troca seus trajes com os de sua mucama; e, durante a festa, abre o plano principal com outro quatro, Frida y Diego (1931), onde estão retratados os noivos.

O encontro com Diego Rivera, o segundo acidente mais trágico de sua vida (com afirma em um dado momento), aconteceria depois de um primeiro, a bordo de um tranvía (mistura de bonde com ônibus, o mesmo que atropelou, na Espanha, Gaudí). No filme, a meninota de 16 anos que se deslocava a carrera pelos corredores da Escuela Nacional Preparatoria (tencionava cursar medicina), e que precocemente cometia estrepolias sexuais com o namorado, Alejandro Gómez Arias, de repente, se vê confinada a uma cama, a uma coleção de espartilhos e, posteriormente, a uma cadeira de rodas. Na separação forçada do mundo exterior, e da rejeição do primeiro amor (Alejandro anunciaria sua mudança para a Europa), forja-se a artista plástica – pois, como afirma Goethe, o caráter se forma em sociedade, mas o talento, na solidão. A família então assimilaria a sua inclinação pelas artes através de dois gestos bem marcados: primeiro, pela construção de um cavalete especialmente concebido para que Frida pudesse pintar sem se levantar; e segundo, pela instalação de um espelho no dossel da cama, permitindo que compusesse seus primeiros auto-retratos.

Daí, a pintora evoluiria, em paralelo à sua recuperação , para o retrato de cada um dos membros de sua família. Esse intimismo, da preferência pelo cotidiano, pelo dia-a-dia, acompanharia a artista que, pode-se dizer, cunharia um quadro para cada fase decisiva de sua vida. Contrastando, como em todo casal, com os anseios de grandiosidade e glória de seu marido, Diego, que se lançaria à confecção de vastos murais, com temática social e revolucionária. Em Frida, a sugestão das diferenças entre o “masculino” e o “feminino” é, às vezes, delicada, e, outras vezes, avassaladora. Como quando, por exemplo, se percebe a diferença de altura entre ele e ela, a oposição entre o corpo frágil de Kahlo (sujeito a incessantes intervenções médicas) e o corpanzil insaciável de Rivera, com apetite para devorar o planeta – o mesmo que, de acordo com o filme, conduziu-o até Nova York, até Nelson Rockefeller.

A aparente brutalidade de Diego faria a mãe de Frida comentar (desgostosa com a união dos dois): – “É o casamento de um elefante com uma pomba”. A honestidade bonacheirona do muralista também se faria visível, no instante em que ele pediria a mão da intrépida retratista, prometendo não “fidelidade” mas sim “lealdade”. (Prometendo e não cumprindo: Rivera, nos seus arroubos de mujeriego, não perdoaria nem mesmo a irmã de Kahlo, Cristina.) Ou na ocasião em que a jovem artífice aborda o consagrado artista e lhe pede uma opinião sincera sobre suas telas. Diego, no melhor estilo fatalista-vocacional, sentencia: – “Se você for pintora de verdade, nunca vai conseguir parar de pintar: vai pintar até morrer”. Ao que Frida retruca al tiro: – “Mas eu preciso trabalhar para sustentar meus pais [eis a família aí, novamente] e, se não for boa o suficiente, preciso me dedicar a outra profissão”. (Lógico que era boa. Tanto que o surrealista André Breton viria ao México implorar para que expusesse em Paris; o Louvre aceitaria uma pintura sua [a primeira da América Latina]; e os Estados Unidos a homenageariam com um selo comemorativo [o primeiro dedicado a uma mulher hispânica].)

Mas Frida se faria célebre antes que a consagração a alcançasse (apenas na década de 80 do século XX). Estamos falando do tempo em que, já separada de Diego, abrigaria na Casa Rosa (hoje Casa Azul, de seus pais) um refugiado ilustre: Leon Trotski. Para quem, antes dos 20 anos, discutia o viés político de Hegel (tendo passado por Marx) e lia Schopenhauer, alternando-o com Spengler, fluentemente, a visita de um dos heróis da revolução russa tinha algo de grandiloqüente. No filme, é a seqüência em que a história ganha novo fôlego, alimentada pela chegada de um dos maiores intelectuais  e pelo espírito de aventura que pairava no ar, ao se dar guarita a um dos inimigos mais perseguidos por Stalin. Da convivência de uma mente embotada pelo sofrimento e pela inteligência com uma artista original, quase primitiva e ainda fértil, nasceria um caso amoroso que, pelo que se pode concluir, custaria a vida de Leon. É Natalia Sedova, sua esposa, que percebe o arranjo, e decreta uma mudança para um hotel. A mesma que lhes cairia fatal. Frida, então, é presa e interrogada (a respeito do assassinato do revolucionário) e, na cadeia, sofre de gangrena, tendo os dedos dos pés amputados.

No fim, casar-se-ia uma segunda vez com Rivera, que seguiria venerando-a mesmo durante a dependência de morfina e a impossibilidade permanente de andar (teria ainda uma das pernas amputadas).  Esses últimos anos seriam os mais produtivos de Frida Kahlo (ela vivia implorando aos médicos que a remendassem a fim de voltar a pintar). Participaria, nesse estado, da primeira exposição de sua obra em seu próprio país, onde um Diego comovido reconheceria a companheira como “o maior acontecimento de sua vida”. Cada vez mais debilitada, “Friducha” chamaria o seu “Pánzon”, no meio da noite, e o presentearia com um anel por seus 25 anos de casados (contabilizando idas e vindas). Rivera, sem entender, reagiria dizendo que a data não era exatamente aquela (faltava duas semanas), mas Kahlo insistiria em festejar suas bodas de prata. De algum modo, sabia que não lhe restava muito mais: faleceria naquela mesma noite, a 13 de julho de 1954.

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